domingo, 1 de março de 2009

O metro

Ele movimentava-se por entre as pessoas de modo imponente, com suas botas altas e passos pesados, ao ritmo dos quais dançava a sua longa capa negra. Caminhava com o olhar fito no horizonte, sem olhar os que o rodeavam, quando estes apenas o fitavam a ele com um olhar pensativo de recusa e espanto. Porque se veste como uma bruxa? deveriam pensar eles. Porque tem a cara branca e nela desenhada um risco de sangue a escorrer-lhe pelo canto da boca?

Num lugar como o metro, túnel escuro e sujo onde todos se cruzam sem se olharem, esta personagem conseguia a diferença, num espectáculo urbano que concentrava em si todos os olhares, antagónico ao seu pseudo lema de luto e solidão.

O ruído do metro a aproximar-se cortou repentinamente o silêncio cortante daquele espaço insípido e por momentos criou a sensação de que aquele vazio entre as pessoas, pesado há segundos atrás, não passara de uma ilusão de solidão.

Segui o mesmo caminho que a personagem até à porta em que entrámos e fitei-lhe o olhar, como que lhe dizendo não tenho medo de ti.

Entrámos. Sentámo-nos.

A música que eu ouvia no mp3, apenas me permitia observar os gestos. Gestos baloiçantes de pessoas embaladas pelo movimento do metro. Olhares silenciosos que se cruzavam uns com os outros, ocos ou repletos de questões.

À frente do gótico sentara-se um rapaz dos seus 8 anos que o olhava subtilmente, já com os apetrechos de um adulto, que sabe olhar sem expressão para esconder o que lhe vai na alma, como mandam os bons mandamentos da boa educação, mas ainda com um pouco de espanto e curiosidade a gritar por vezes mais alto. Seria ele um vampiro, questionava-se de certo. O sangue a escolher-lhe pelo canto da boca… É melhor não olhar para ele, senão ainda sou a próxima vítima!

Alguns bancos mais à frente um homem olhava fixamente para mim. Recostado no banco a olhar por entre o seu chapéu de cowbow, era do tipo de pessoa com quem não se pode comunicar através do olhar, com estrelas de testosterona a saltar-lhe pelos olhos.

Até que cruzei o olhar com a única pessoa que ia perto de mim, no banco em frente do lado esquerdo. Um olhar escuro, doce e triste. Perdido. Um cruzamento entre indiano e japonês, brasileiro talvez. Agarrava a cabeça com as mãos, tapando as orelhas como que não querendo ouvir eu estava a ouvir, alguém a gritar “Anytime you need love baby I'm on your side.
Just let me be the one I can make it alright. I can make it alright”. Compreendo-te. Quantas pessoas já não to disseram antes? Começas a chorar. Olho para ti e escondes-te atrás da gola do casaco. Limpas as lágrimas com ela. Estás bem? quero-te perguntar. Mas não pergunto, sou como todas as outras pessoas que viajam neste metro, fechadas dentro do seu próprio silêncio, a quem o egoísmo e a vergonha comandam a vida. Parecem haver linhas que não se podem transpor. Muros atrás dos quais cada um de nós vive e às portas dos quais não se pode ousar bater. Todos tão perto mas tão incrivelmente sós.

Próxima estação: Marquês de Pombal.

O gótico levanta-se e o voo curvado da sua longa capa negra bate-me na perna. O metro pára. O gótico sai.

O rapaz intrigado enche a mãe com perguntas e esta ri-se olhando para mim, como se eu estivesse a ouvir a conversa.
O cowbow adormeceu. Acordou a sorrir, ainda a olhar para mim.

O indiano continua a chorar. É tão belo. Fascinam-me as pessoas que possuem um tanto de tantas terras. Interrogo-me se faria alguma diferença eu falar com ele. Algo na vida dele iria mudar? Por segundos que fosse? Ficarei sem saber.

Próxima estação: Baixa-Chiado.

Ele levanta-se, eu levanto-me, o rapaz e mãe levantam-se, todos os outros se levantam.

Vamos para sentidos opostos, porém ainda apenas com dois carris a separar-nos, enquanto esperamos a próxima carruagem. Ainda assim o nosso olhar continua a cruzar-se. Talvez tivesses mesmo tanto para dizer… para gritar. E apenas precisasses de alguém para o fazer. Mas o meu metro chegou, as portas abriram-se, eu entrei, as portas fecharam-se e o metro arrancou. E eu fiquei a ver-te desaparecer ao longe, como todas as outras pessoas que se cruzam connosco todos os dias.

Incrivelmente sós.
ZARA

Um comentário:

tamaitiiti disse...

finalmente já se escreve aqui.
Tinha saudades disto. de ler o que escreves.
o meu anda parado, mas sinto agora uma vontade de escrever qq coisa.
Beijo sempre ana